Neste artigo veremos as implicações da pandemia de COVID-19 nos contratos de empreitada e em incorporações imobiliárias, tanto pelo prisma do empreendedor imobiliário como do adquirente.
Para o empreendedor imobiliário o momento é de muita incerteza. Se o setor dava sinais de recuperação da última crise com a expansão das obras, agora a previsão é de queda nas vendas.
As políticas sanitárias que requerem o isolamento social são fundamentais para pararmos a rápida proliferação da doença, mas impactam diretamente nas vendas já que o mercado imobiliário, para as incorporadoras, se vale majoritariamente da venda física dos imóveis em estandes.
As incorporadoras terão que negociar com seus clientes/adquirentes novos termos aos contratos pactuados diante da paralisação ou diminuição do ritmo das obras. Será preciso uma readequação para levar em conta a situação do país. Afinal, haverá menos funcionários nos canteiros.
Para esta negociação o ideal é que haja bastante transparência. As incorporadoras devem entender o momento e agir embasadas na Teoria da Imprevisão, que tem assento no Código Civil, em seu artigo 393.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Este entendimento deverá ser aplicado aos contratos imobiliários, porque a Pandemia não tinha como ser prevista, sendo hipótese excepcional, que gera onerosidade excessiva a uma das partes.
Nesse sentido os Enunciados n.° 365 e 366 da Jornada de Direito Civil.
Enunciado n.° 365. A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.
Enunciado n.° 366. O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.
Não havia como, no momento da celebração do contrato, as partes imaginarem que ocorreria um surto epidêmico mundial que iria requerer um isolamento social que impediria o trabalho e, portanto, pararia o canteiro de obras.
Diante disto, o contrato deverá ser revisto pelas partes, ou, no caso de impasse, pelo Judiciário através de Ação de Revisão Contratual, conforme os artigos 317 e 479 do Código Civil.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Aqui vale ressaltar que, embora haja uma mitigação na Pacta Sunt Servanda, o Princípio da Conservação dos Negócios Jurídicos e da Função Social dos Contratos deve ser observado pelo magistrado, que deve optar preferencialmente pela readequação dos contratos, e evitar a sua resolução, o que traria ainda mais danos às partes e à sociedade.
No caso das incorporadoras, será preciso discutir temas importantes com seus clientes, como, por exemplo, o prazo para a entrega das chaves, que, ao nosso entendimento, poderá ser estendido se comprovada a falta de mão de obra ou de material de construção.
Então deverá haver uma extensão do prazo disposto no artigo 43-A da Lei de Incorporações Imobiliárias, evitando-se as consequências do inadimplemento, e afastando-se os juros de mora, multa, danos emergentes e lucros cessantes.
Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.
Para os adquirentes, por exemplo, caso ocorra a perda de seu emprego, ou sua renda diminua consideravelmente, poderá chamar o incorporador para renegociar seu contrato para ter um tempo maior para o pagamento ou até um desconto em razão de eventual depreciação do bem.
Vale ressaltar ainda que àqueles enquadrados como consumidores, aplicar-se-á o artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
…
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
Os empreiteiros, por sua vez, também serão abrangidos pela Teoria da Imprevisão e poderão rever seus contratos sempre que comprovarem, por exemplo, que os materiais de construção, em virtude da Pandemia, tiveram aumento significativo do preço o que gera uma onerosidade excessiva superveniente.
Desta forma, ainda que a empreitada seja na modalidade por preço máximo ou propriamente dita, entendemos que o artigo 619 do Código Civil deve ser mitigado diante da Teoria da Imprevisão.
Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.
Em suma, o Judiciário deverá analisar as circunstâncias de cada caso concreto para avaliar se a Teoria da Imprevisão deve ser aplicada, e, assim, evitar que as partes sejam prejudicadas.
Por isso, haverá, para os próximos meses, a expectativa de que haja um aumento nas ações revisionais.