Neste artigo abordaremos os impactos da COVID-19 nas relações locatícias não residenciais que, conforme o artigo 51 da Lei n.° 8.245 de 1991 (Lei de Locações), são aquelas que se destinam ao comércio. Todavia, as mesmas considerações podem ser aplicadas aos contratos residenciais.
Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
Com as últimas medidas adotadas pelos governantes a fim de impedir a disseminação da doença de forma rápida e o consequente colapso no sistema de saúde, o comércio foi o setor mais afetado da economia.
No Rio de Janeiro foi editado o Decreto n.° 46.973 que fecha os Shopping Centers em todo o Estado.
No mesmo sentido o Município de Niterói publicou o Decreto n.° 13.516 (ainda mais amplo) e praticamente parou o comércio local.
Decreto n.º 13.516, Art. 1º. Fica determinado o fechamento ao público de todos os shoppings centers, centros comerciais, clubes, salões de beleza, barbearias e similares, clínicas de estética, quiosques de alimentação, bares, restaurantes, lanchonetes, cafeterias e similares, academias de ginástica e afins e cursos de idiomas e outros cursos presenciais no Município de Niterói, do dia 19 de março até o dia 6 de abril de 2020.
Embora estas medidas sejam fundamentais, impactam diretamente as relações contratuais locatícias não residenciais, uma vez que o comércio teve queda nas vendas de cerca de 25% (até 25 de março), e tem expectativa de perdas maiores nos próximos meses.
Em função disto cabem aos empresários (locatários) e proprietários (locadores) negociarem de forma a readequar os contratos à nova situação fática, sempre com bom senso, para evitar a judicialização.
No Rio de Janeiro, por exemplo, onde os Shopping Centers e as lojas de rua estão fechados, sem possibilitar ao comerciante que exerça sua atividade, será possível que o locador cobre aluguel ou as cotas pela conservação das áreas comuns?
Entendemos que deve prevalecer o bem senso, e, portanto, devem-se analisar as especificidades de cada caso concreto antes de emitir um parecer.
Não me parece razoável que um lojista em um estabelecimento de rua, que continua a exercer sua atividade mediante delivery (entrega) sem que ocorra uma redução considerável em seu faturamento, deixe de pagar seu aluguel.
Talvez, neste caso, caibam às partes reduzirem o valor cobrado equitativamente.
Entretanto, no caso de um estabelecimento em um shopping center que tenha por atividade a venda de roupas, e fica impedido de exercê-la, seria cabível a redução e até mesmo a isenção do aluguel durante este período, desde que comprovado o seu prejuízo, assim como da cota pela manutenção do espaço comum, que não será utilizado.
Nos casos em que não houver acordo entre os contratantes, aquele que for lesado deverá ingressar com Ação de Revisão Contratual, para que haja a resolução do contrato ou a sua revisão, conforme dispõem os artigos 317 e 479 do Código Civil.
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Aqui vale ressaltar que, embora haja uma mitigação na Pacta Sunt Servanda, o Princípio da Conservação dos Negócios Jurídicos e da Função Social dos Contratos deve ser observado pelo magistrado, que deve optar preferencialmente pela readequação dos contratos, e evitar a sua resolução, o que traria ainda mais danos às partes e à sociedade.
O principal fundamento para a revisão dos contratos é o chamado caso fortuito ou força maior, dispostos nos artigos 393 e 478 do Código Civil, que surgem quando há onerosidade superveniente excessiva a uma das partes.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Tais dispositivos legais são aplicáveis aos negócios jurídicos imobiliários em estudo porque a epidemia de COVID-19 não tinha como ser prevista no momento da contratação, sendo fato extraordinário e imprevisível, aplicando-se a Teoria da Imprevisão como dispõem os Enunciados n.º 365 e 366 da Jornada de Direito Civil, e o próprio Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n.º 860.277.
Embora esteja em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei n.º 1.179, que proíbe o despejo do inquilino neste período, e fixa percentuais para a redução do valor dos alugueis, dentre outros pontos polêmicos, entendemos que o melhor caminho é que prevaleça a autonomia privada das partes.
O legislador não pode tratar milhares de contratos de aluguel, cada um com suas especificidades, de uma mesma forma. Esta atribuição caberá ao juiz, no exame de cada caso concreto.
Como conclusão entendemos que os negócios jurídicos imobiliários devem ser revistos neste período com bom senso, privilegiando-se preferencialmente a autonomia privada como forma de evitar excessos do legislador.
Assim, evitar-se-á a judicialização, cabendo aos contratantes dialogarem sobre suas necessidades de forma transparente a fim de preservar o contrato.
Devemos lembrar que a doença é passageira, mas as relações negociais (locatícias) são longas.